Por Mateus de Araújo - 06 de Junho
Saudade dos meus e de tomar um café em algum lugar da cidade. Eu sinto saudades de ter saudade e saber que ela seria saciada logo no dia ou na semana seguinte. Saudades de olhar no olho e sorrir acompanhado nas ruas, praças e avenidas. Saudades de caminhar sem o medo da morte. Saudades de abraçar sem o medo da morte. Saudades de brincar que somos todos filhos de Prometeu e assim ressuscitaríamos no dia seguinte.
Quantos últimos poemas foram escritos nas últimas vinte e quatro horas? Quantas últimas declarações ardentes de ódio ao fascismo? Quantas promessas de se manter vivo foram quebradas? Quantos olhares contemplaram pela última vez o nascente ou o desabrochar descomunal duma flor?
Ainda tenho os meus ainda. Ainda amo ainda. Ainda é tempo. O tempo, momentaneamente, não diz "sempre"; no entanto, ainda é tempo. Ainda é a medida exata, embora oblíqua. Ainda és vivo. Ainda respiras bem. Ainda vês. Ainda podes ler para o teu amor de tua vida. Ainda podes telefonar e declarar-se do modo mais surpreendente para quem amas. Ainda é amor: um sobressalto, um alumbramento, uma rachadura por onde a luz entra.