Por Kayran Freire - 20 de Agosto de 2019
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Talvez Leon Tolstoi responda a essa questão de forma indireta com uma sentença precisa: “Canta tua aldeia que cantaras o mundo.”
Pensar o regionalismo como corpo integrante de uma ideia maior de cosmos.
O regional não precisa ser engessado, caricato ou saudosista. O ponto de partida para o regional repousa no autêntico, no emocionalmente original, como a vida e obra do cantor, compositor e instrumentista cearense Abidoral Jamacaru.
Nascido de uma família com longas raízes históricas de independência e luta republicana, Abidoral - ou como os conhecidos chamam simplesmente por Bida - não é apenas fruto do seu tempo, mas sim fruto de toda uma conjuntura delirante de florescimento cultural no nordeste dos anos 1970. Uma espécie de contracultura da seca, espinhosa e extremamente resistente às adversidades, como o próprio mandacaru, de onde deriva o sobrenome nativo.
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Faz-se impossível rotular o aedo em um único estilo ou gênero musical. Como Caetano, Gil, Jorge Ben ou David Bowie o seu acervo de influências e produção é camaleônico. No álbum de estreia (Avalon - 1987), notamos que, todas as faixas do disco têm "pegada" e estilos musicais próprios, intercalando acordes psicodélicos, com poesia e cancioneiro popular.
Como uma espécie de cacheiro viajante dos tons e sobre tons, a obra deste poeta é cheia de mística e contemplação, bebendo de fontes da cultura história latino americana. Entretanto, notamos uma natural tendência a reverenciar o vocabulário do Cariri, seu sotaque nos representa, pois ali já existia um flow bem a frente do seu tempo.
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Nas faixas de o peixe (1998) poema musicado de Patativa do Assaré do álbum homônimo, “vou no vento” e “pra ninar o Cariri” do álbum Bárbara (2008) percebe-se a influência do naturalismo e da poesia cabocla, cuidadosamente trabalhada com acordes minimalistas contrastando com a voz marcante do intérprete.
Durante os mais de 40 anos de trabalho musical, Abidoral transformou o Cariri em sua meta-narrativa. Crescemos enquanto povo e cultura. O mestre Bida passou altivo pela guinada a pobreza musical que lesiona os nossos aparelhos auditivos, com caixas estouradas, letras pobres, de pouco valor poético e muito Auto Tune. Paralelamente a esse desenvolvimento planejado da cultura de massa, Abidoral construiu seu espaço na cena alternativa, cantando e produzindo com a velha guarda e com a nova geração. Gravou e foi regravado. Suas canções marcaram uma geração de cariris.
Embaixador da chapada do cume verde, nosso oásis, o lar de Patativa, outro cânone da cultura popular, Abidoral vive uma vida simples, caminhando pelas ruas da cidade natal sem parecer se importar com vaidades e egolatria. O bom artista não precisa falar o seu nome ou o de sua banda a toda hora em todo lugar. O verdadeiro artista deixa o legado falar por si só. O artista é maior que o homem? No caso analisado os dois se equivalem. A humildade de um homem comprovada por sua vivência gabaritam este senhor e levanta excelentes prognósticos da teoria formulada no título. O caro leitor só compreenderá de fato o tema ao presenciar uma apresentação que gera uma atmosfera de ciranda espacial, traduzida na ideia de "energia Cariri". Talento e estilo próprios, autenticidade e dedicação, espiritualidade e política discursiva, e muita poética. Essa é a arquitetura musical de um bardo moderno.