Por S. Monte Moreno - 28 de março de 2020
A filosofia do eterno retorno proposta por Nietzsche é atribuída principalmente a valores morais (ou amorais, se preferir) que se constroem em intensa luta contra os niilismos (negativo, reativo e passivo), ao mesmo tempo em que se empreende o niilismo ativo em resposta àqueles.
O filósofo do martelo diz que todo o sistema de crenças e valores humanos é baseado na negação: negação à vida em espera do paraíso, do agora em troca da utopia (política e/ou cientifica); negação da vida pela descrença no paraíso e na utopia, de todas as esperanças: a regra é desacreditar. E assim o homem medieval e moderno construiu a estrada da negação por onde pisaria o homem contemporâneo: a transcendência não chegou e fomos vencidos pelo cansaço; resta-nos o fundo do abismo, e uma vez lá, não deixamos de ser golpeados. Mas, talvez, uma hora o corpo canse de dizer não. É necessário dizer sim às adversidades, intranquilidades, crises morais, existenciais, financeiras e de saúde. Não houve, não há e nem haverá estabilidade.
E o que podemos fazer sobre isso? – Pergunta aquele que não busca transcender. Vivemos hoje uma crise pandêmica. Não só o sistema de saúde foi afetado, mas também todo sistema financeiro, político, materialista, o ético e moral:
Quem deve viver ou morrer?
A fé, a ciência, as instituições; acaba de desabar a frágil pilastra de barro que sustentava todas as convenções sociais. O corpo humano coletivo continua sua impotência frente ao agora e o não (re)afirma seu poder. Paradoxal e simultaneamente, os corpos humanos urgem sim pela vida. Necessidade de sobrevivência individual e coletiva hoje(!), não amanhã. Emerge o niilismo ativo em sua mais animalesca forma: dizer “sim” ao hoje, mesmo tendo a (má) consciência de que o não é o caminho certo.
Este sim é um duplo, pois continua dizendo não às incompetências seculares da salvação. Mas o sim não busca uma salvação, procura um contorno – é preciso também negar a negação. Por que cuidar de mim (e do outro) hoje, se amanhã há a certeza da insalubridade, da tristeza e da agonia? Ora, pela mesma razão pela qual acreditamos que haverá um eterno retorno: boa e má consciência retornarão, assim como o bom e o mau, o amor, os erros, os fracassos, felicidades, lutos e raivas.
“Bem aventurados aqueles que tropeçam sempre nos mesmos erros”, escreve Nietzsche em aforismo.
E o corpo humano (individual e coletivo) não é esse espantoso, cruel e apaixonado bem aventurado a tropeçar, sempre, nos mesmos erros? Não nos prevenimos o bastante, não nos amamos o bastante, odiamos bastante e humanizamo-nos demasiadamente.
Que má memória tem o homem!
Todavia, continuamos a dizer sim mesmo quando é um estrondoso não que gritamos. É preciso cuidar de si e do outro, é preciso pensar em tempo melhor, mas esse cuidado e tempo acontecem apenas na vida do agora: não ao futuro.
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