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$IGNO - SOUL RATEIRO VOL. 2. CRÍTICA

Por Jonas Paulino - 29 de Abril de 2021

 

No último dia 03 de abril, $igno, personagem criado pelo músico Lucas Lopes, lançou a segunda parte de seu mais recente trabalho, disponível inteirinho no Youtube, uma mixtape constituída por seis composições. Contudo, para melhor situá-los a esse garboso álbum achei que seria interessante um breve mergulho no gênero musical.


Surgiu em meados da década 1970 nos bairros periféricos da cidade de Nova Iorque, em meio as comunidades latinas, jamaicanas e afro-americanas, trazido por Clive Campbell, mais conhecido como DJ Kool Herc. Difundido na década de 1980 por Lance Taylor, o grande Afrika Bambaataa, que seria o primeiro a utilizar o termo e a disseminar as bases artísticas e técnicas que lançariam os alicerces de uma cultura “Hip-Hop”.


O Hip-hop divide-se em quatro pilares fundamentais: o Breakdance, os DJs, o Grafite e o Rap. Deste último nasce o Trap, por volta do ano 2000, estilo instrumental que utiliza assiduamente sintetizadores multidimensionais, combinando cadências retiradas de músicas de diferentes ritmos a outros sons, como onomatopeias, bumbos e sub-graves. Os temas retratados orbitam as vivências de cada artista, tratando de assuntos como religiosidade, niilismo, criminalidade, drogas, sexo, problemas familiares, consciência de classe, materialismo, riqueza, ostentação etc.


No Brasil, assim como fora dele, a cena surgi bem underground, por volta do ano de 2010, mas poucos ciclos solares depois já teríamos muitos artistas bem na fita. O Nordeste não ficou de fora e tem representantes como o cearense Matuê, um dos mais estourados nacionalmente. Wellison Trap é outro que recentemente ficou grande e faz um som misturando elementos regionais. Vale também mencionar artistas como Carmem Camaleonte e Becka Nizers que vêm se destacando gradativamente. E é a partir deste pequeno resumo que me sinto à vontade para apresentá-los ao novo álbum $igno - Soul Rateiro vol. 2.

$igno, que pode muito bem ser entendido como um jovem negro morador da periferia, escreve sobre o que vê, sente, deseja, ama e é porque observa seu entorno em movimento que sabe o lugar que ocupa e em que época está, o trap é um grito, resistência. Dono de um flow único, une habilmente elementos do Rap e do Trap, e logo na primeira faixa dispara: “Toma essa bala depois te embalam na gaveta/ no pic do fura quarentena pra ir em festa/ nunca houve tanto choro e nem tanta incerteza/ quero minha vacina, pode aplicar na minha testa/ salve zé gotinha”. No verso seguinte manda: “Escrevo linhas que são finas demais/ uso palavras que são grossas demais/ sedento na caça eu sou neandertal/ peguei um fascista e joguei no canal”, terminando com a onomatopeia “splash, splash” e um sample (Pequeno trecho sonoro retirado de obras musicais ou de outras gravações, para posterior reutilização numa nova obra musical) de algo caindo nas águas do rio Granjeiro, atualmente canal do Crato.


Sempre entre as composições são colocadas passagens bem famosas, tanto que viraram memes, como daquela vez quando Caetano Veloso foi surpreendido por palavras que julgou dotadas de pouca inteligência e respondeu de um jeito particularmente bem-humorado; só revelarei este primeiro, fiquem à vontade para se deliciarem com os outros.


Em Expansão, segunda faixa, a pegada continua a mesma, no entanto, desta vez pondo em jogo mais elementos do Trap, as relações interpessoais, o estado e as drogas, abordadas aqui com serenidade, sem exageros, como em: “Se vai ter um choque de realidade ao trocar de pele comigo/ inveja não me contamina to com meus amigo ao som de Migos”, ou em: “Andando a pé bem tranquilo pelas Malvas/ ausência do estado é presente na quebrada/ se eu ganho a boa eu dou lazer pra molecada/ enquanto os egoístas só gastam com joia cara”. A relação com as chamadas “drogas” habita outro local, se comparada a visão brasileira, a imagem tecida aqui é a de que elas são um regalo: “Faço um Trap consciente/ trago ideias do além/olha eu te trouxe um presente/ expansão pra sua mente”.


A terceira faixa é uma das que mais ficam na cabeça, principalmente por causa refrão: “Cohe, cohe, cohe, co!.” e conta com inúmeros jogos de palavras rápidos: “Eu quero dinheiro dos bancos/ Eu quero dinheiro dos brancos/ eu tomo dinheiro dos bancos/ Eu tomo dinheiro de brancos.”. A letra gira em torno de aprendizados e de possíveis ações derivadas desses aprendizados, por isso é hora do: “corre, corre, corre!”. Na música seguinte, “Amar sem conta” temos a aparição de outras características do Trap: sexualidade, romance e relacionamento, abordados aqui com menos excessos, mas não com menos intensidade: “Baby onde cê vai/ Cê não precisa sair/ Vem fica um pouco mais/ Melhor dormir por aqui”, há aqui demonstração de preocupação com a companheira, sair sozinha à noite pode ser perigoso, mas também tem desejo: “Jogos vorazes, paixão/ Nossos corpos se encaixam com exatidão/ Na hora do amor cê me dar as mãos/ Veste minha camisa e me cobra atenção”, logo em seguida temos o que pode ser a resolução da treta ou o fogo no parquinho, o pedido de desculpas e promessas: “Desculpas amor, seja o que for/ Eu sei que me dedico demais ao trabalho, mas prometo um futuro mais calmo, viu/ Você não vai sofrer mais não!”.


As últimas músicas, Piada sem graça, e, Cariri Atlanta, são demos igualmente acertadas com o ritmo mais próximo ao Rap. Porém não tive acesso as letras e, por serem muito rápidas, não senti confiança de transcrever sob a pena de errar, deixo para vocês curtirem.


Não poderia concluir este texto sem mencionar que a região do Cariri sempre foi rica culturalmente e continua sendo, seja revelando seus filhos talentosos ou fazendo florescer dons artísticos em quem por aqui chegar. Lucas Lopes é um destes filhos adotivos cuja vocação para a música brota de todo o seu ser, conseguindo tocar, sem muita dificuldade, uma numerosa gama de instrumentos musicais, possui também a facilidade incrível de jogar com as palavras ao mesmo tempo que consegue ser excepcionalmente produtivo, capacidades estas que o tornam bem presente no cenário regional com grande quantidade de produções, boa parte dela disponíveis no Youtube. Espero que tenham gostado da leitura e aproveitem o som.


Alguns avisos: Esse trabalho é dividido em três partes, a primeira mixtape lançada foi o vol. 03, em maio deste ano, a crítica aqui feita é sobre o vol. 02. E os lembro que o vol. 01 já é passível de ser encontrado no Youtube, disponibilizado do dia 24 de abril. Lucas Lopes também escreve aqui para o blog, deixarei todos os links abaixo:

 
 



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