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CRATO: Uma África viva

Por Rafael Ferreira- 28 de fevereiro de 2021

 

Segundo o pesquisador Henrique Cunha Junior, no livro, Tecnologia Africana na Formação Brasileira, a diáspora africana no Brasil permitiu a transferência de saberes e fazeres necessários a formação social. No campo das técnicas de origem africana temos como exemplo a cultura cafeeira, açucareira, do gado, a taipa de pilão, a taipa de mão e o adobe. A produção material e imaterial da população africana e afrodescendente propiciou a constituição de um patrimônio cultural negro, que ainda não é oficialmente reconhecido.


Nesse sentido a formação social brasileira deve ser repensada atentando às relações sociais da população negra e o protagonismo social negro no Brasil. O reconhecimento das práxis cultural de matriz africana deve partir do estado e dos sujeitos que negam e/ou invisibilizam as produções culturais negras, enquanto marca de um projeto racista. Para superar a negação e/ou invisibilidade como prática racista, é preciso superar o pensamento eurocentrado presente na sociedade brasileira, em especial nos espaços de educação formal. Nesse contexto, nos importa apresentar algumas realizações dos africanos e afrodescendentes que formulou o patrimônio cultural do Brasil, em mais de 300 anos da chegada da população africana nas Américas.


Os conhecimentos arquitetônicos de africanas/os são constituintes do urbanismo brasileiro. Essa concepção é um suporte imprescindível para superação do racismo e o reconhecimento étnico-racial. Assim, temos o patrimônio cultural materializado e imaterializado no espaço geográfico carregado dos legados Africanos. O domínio sobre o tijolo de Adobe, os desenhos fractais nas fachadas das igrejas e casarões rurais e centrais das cidades, a casa de taipa de mão e a taipa de pilão, as aberturas de portas e janelas, o trabalho com a madeira e etc., são conhecimentos que estão sedimentados no Brasil e precisam ser vislumbrados por outra ótica, que não seja a do eurocentrismo.


Tais práticas são desenvolvidas na África milenarmente, portanto, antes da chegada dos europeus, que sobre o ideário de dominação apropriou-se dos modos culturais africanos transferindo-os, através do escravismo criminoso, para Europa e a América, em específico para o Brasil, forjando uma diversidade cultural decorrente de uma matriz e que se materializa nos lugares de modo singular, como no município do Crato, no Ceará. O Crato é uma África viva, é possível identificar isso à medida que realizamos nossos percursos urbanos, observando as africanidades presentes no espaço geográfico.


O Crato que está situado no sul do Estado do Ceará, teve como núcleo urbano embrionário a Missão do Miranda e carrega na formação espacial os símbolos africanos, vislumbrados na arquitetura, na agropecuária, na feira livre e na formação social dos bairros negros. Na feira livre e tradicional do Crato em meados do século XIX, na antiga Rua do Fogo, atual Senador Pompeu, vendia-se vários produtos condicionado a especialização do trabalho africano e afrodescendente, como rapadura, doce de tabuleiro, sandálias de couro, celas, redes, panelas de barro, colher de pau, ervas, verduras e frutas.


Atualmente a feira está situada nas proximidades do Mercado Walter Peixoto e passou por uma reconfiguração urbana. No intuito de atender os fluxos dos automóveis, a feira perdeu parte do seu espaço, e muitas barracas deram lugar a boxes. Ainda assim, é possível sentir a essência ancestral africana no lugar. As pessoas que frequentam a feira, na maioria, são afrodescendentes, muitas, pertencentes à zona rural, e para quem a feira tem uma dimensão econômica, social e cultural.


Um dos produtos vendidos na feira, à rapadura, é um símbolo muito forte na região do Cariri Cearense, em especial no munícipio do Crato, em épocas precedentes, promoveu o desenvolvimento econômico local. A produção em alta escala era exportada para outros estados, como o Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Para produzir a rapadura era necessária a presença dos cambiteiros, cuja importância era imprescindível para a dinâmica social da feira, pois, eram eles que transportavam os doces, o mel e a rapadura.


Os cambiteiros eram africanos e afrodescendentes, que tinha uma função fundamental nos engenhos e com a produção da rapadura. Essas pessoas cortavam a cana, levavam para o engenho, redistribuíam o bagaço da cana no terreiro do engenho e cuidavam do gado. A historiografia tradicional descreve que alguns ganhavam por essas atividades, como animais, bebidas (aguardente) e em alguns raros momentos, recebiam até terras.


Com esse texto, objetivamos promover uma reflexão a respeito da população negra no Brasil, através da diáspora africana. As produções culturais apontadas nos permitem visualizar nossos espaços vividos de uma maneira mais crítica, rompendo com as velhas práticas do eurocentrismo, que visam empobrecer a participação de africanas/os e seus descendentes na formação social brasileira.


É importante avançar rumo aos novos olhares sobre o espaço geográfico, andar pelas ruas e vislumbrar nos objetos materiais as subjetividades empregadas, as dinâmicas sociais de um determinado tempo que estão ali transitando por meio das energias ancestrais. É importante, enquanto sujeitos, permitir-se sentir as ancestralidades locais e construir identidades pelo lugar, reconhecendo um passado que condicionou a imagem do presente, cuja forma-essência é um legado que deve ser preservado.

 

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