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CASTLEVANIA E A ADOLESCÊNCIA

Por Taciano Filho - 19 de junho

 

Quando a primeira temporada de Castlevania foi lançada, lembro que a experiência de assisti-la não foi muito boa. Na época, não sabia explicar porque a série não tinha agradado, afinal, a qualidade da animação era irretocável. Foi apenas quando as temporadas seguintes foram lançadas que foi possível compreender. A primeira temporada acaba bruscamente depois de poucos episódios, no momento em que a história está apenas começando a ficar interessante. O desagrado com a série não tinha nada a ver com suas qualidades e defeitos, era apenas frustração por não poder continuar a ver o que talvez fosse uma das animações mais bem produzidas e animadas dos últimos anos.


A série da Netflix adapta a famosa franquia de games produzidos pela Konami desde 1986, licenciando jogos para vários consoles – desde o saudoso Nintendinho até o Playstation 3, tendo um dos seus títulos mais conhecidos lançado em 1997 para Playstation 1, intitulado ‘Castlevania: Simphony Of The Night’.

Enquanto experimentava a torrente de emoções causada pelas cenas de ação lindamente orquestradas, um único pensamento ocorria: “O adolescente em mim está muito satisfeito”. E isso repercutiu na impressão geral de toda a série sobre mim. Castlevania me fez pensar sobre a adolescência.


Primeiramente, somos apresentados aos personagens centrais da história; o vilão, uma adaptação livre do Conde Drácula; Trevor Belmont, o herói com pinta de anti-herói; e, mais ao final da primeira temporada, a Sypha Belnades e Alucard. E eis que todos eles me fazem pensar sobre a adolescência – não apenas na minha, mas na ideia da adolescência, como ela é, como deveria ser, e por aí vai.


O Drácula, encarnando o maior vilão da história e servindo de força motriz para toda a trama, com suas motivações dúbias e visto pelos demais personagens como um louco fora de controle, termina por representar mais do que isso. Já no primeiro episódio vemos o Conde como um homem solitário, isolado das outras pessoas por vontade própria, exaltando sua condição de vampiro como uma qualidade ̸maldição que o torna superior aos humanos que lhe servem de alimento.


A existência do vilão sofre uma mudança radical quando ele conhece a mulher que se torna sua esposa. Uma médica humana e, assim como o próprio Drácula, uma pesquisadora sempre em busca de mais conhecimento, ela acrescenta um elemento inusitado no mundo estagnado do seu esposo: O propósito de suas pesquisas é o bem-estar dos seus pares.


Após se casarem, o vilão sempre recluso em seu sentimento de superioridade torna-se uma pessoa mais leve (ao seu próprio modo). A inclusão da esposa em sua vida lhe apresentou à possibilidade de uma convivência saudável com as outras pessoas. Diante dessa mudança de paradigma, ele decide viajar sozinho, ver o mundo com seu novo e recém conquistado olhar. Durante sua ausência a tragédia acontece. As experiências de sua esposa são descobertas pela Igreja. Sem os poderes sobrenaturais do marido para defendê-la, ela é acusada de heresia, aprisionada e executada na fogueira pela inquisição. A partir desse evento Drácula inicia seu projeto de extermínio da humanidade.


Com sua atitude reclusa e prepotente, afirmando seu desejo por solidão com cadáveres empalados no entorno do seu imponente covil – uma forma de aviso aos invasores -, o vilão personifica os impulsos e fantasias mais secretos e sombrios que boa parte dos jovens em formação guarda dentro de si.


A atitude do Conde evidencia o poder que ele tem diante de toda e qualquer criatura. Enquanto trata todos ao seu redor com condescendência e paternalismo, pode tornar-se agressivo ao menor sinal de contrariedade. Durante toda a série quase não há personagens que se coloquem abertamente contra ele. Os piores monstros reconhecem que, sozinhos, ele os destruiria facilmente. Ninguém pode contra ele, é muito difícil feri-lo.


Ele se posiciona num trono solitário, como um rei entre reis, e, ao experimentar as dores e tragédias que a vida traz consigo, ao ser separado da sua fonte de afeto e frustrado na sua felicidade, decide não apenas se vingar dos seus agressores mas destruir tudo e todos num rompante de ira. Partindo de uma premissa – totalmente imaginada por mim - onde a série, de alguma forma, aborda a adolescência, esse é um bom vilão, por tudo o que ele representa.


Na outra ponta, somos apresentados ao Trevor Belmont. Assim como o antagonista, o herói também foi marcado pelas tragédias e dores da vida, e separado em definitivo do afeto de sua família. Ele vaga pelo mundo como o último sobrevivente de um famoso clã de caçadores de monstros. Vive constantemente afogando sua solidão e amargura em álcool, e conduzindo a vida da maneira mais autodestrutiva que consegue. Apesar de tudo isso, ainda é possível entrever os resquícios de seu bom coração nas demonstrações de altruísmo que ele deixa escapar com relutância – e com a velha pose hollywoodiana de cara durão.


Somadas à sua atitude de aparente indiferença em relação à vida e ao futuro, Trevor possui características masculinas tradicionais que inspiram virilidade e que são valorizadas pela maioria dos jovens; seja por causarem inveja, desejo ou ambas as coisas. Por mais que sua vida seja rodeada de tragédias, ele é um cara forte e bonito que se aventura num mundo repleto de monstros, saindo vitorioso de cada embate.


Seu background cheio de infortúnios o tornam apenas algo que adolescentes no geral considerariam “um cara fodão”. Em sua jornada, compartilhada com seus outros dois companheiros, ele precisa redescobrir sua capacidade de lidar com os diferentes tipos de afeto. O protagonista da série pode parecer superficial, e talvez até o seja, mas isso torna fácil o processo de se apegar a ele. Por ser alguém simples, rapidamente nos sentimos... acostumados a ele. A série não seria a mesma sem sua presença.


No trio dos heróis, a adição mais interessante é Sypha Belnades. Assim como vários outros personagens, Sypha faz uso da magia. Embora, teoricamente, a magia tenha várias utilidades, na maioria das vezes ela a usa para autodefesa. E o melhor de tudo, além de já ser muito boa nisso, ela evolui bastante, e as cenas de ação que se sucedem em decorrência do seu crescimento são magníficas. A posição da Sypha na história é interessante porque ela é uma das personagens que deslocam o foco da série da perspectiva masculina.


É possível observar que, no background dos dois outros personagens citados até aqui, o elemento principal é a separação trágica do indivíduo de uma fonte de afeto que é materna, ou semelhante à materna. Essa narrativa geralmente comunica-se melhor com o público masculino justamente porque é pensada de um ponto de vista masculino. No caso da Sypha, tanto existe o fato de ela ser uma mulher, como a história dela não recorrer a esse roteiro tão tradicional a que todos estamos acostumados.


A heroína pertence a um povo nômade e erudito conhecido como os Oradores (Speakers, no original). Pela sua relação com a magia, não é raro que sejam perseguidos ou evitados pelas pessoas. Entre os princípios morais dos Oradores, os mais importantes são: acumular conhecimento e usá-lo em prol da humanidade.

Sypha é uma mulher jovem, seus maiores defeitos residem no fato de que ela é tão idealista quanto impulsiva. Uma combinação até comum em personagens em histórias de fantasia. O que diferencia ela da maioria é sua lucidez em relação a si mesma e aos outros. A presença dessas caraterísticas antagônicas dentro de uma mesma personagem é maravilhosamente trabalhada pelos roteiristas.


Uma coisa agradável na série é que, mesmo se aventurando num mundo repentinamente tomado pela barbárie e repleto de bandidos, a dignidade sexual da heroína não é ameaçada. É louvável que os criadores não tenham associado o corpo dela ao ideal de fragilidade e submissão. Também é uma fonte de tranquilidade saber que, caso alguém ousasse fazer avanços não consentidos, ela conseguiria se defender sem precisar de ajuda. Essa é uma visão percebida por um homem. Certamente o público feminino terá ainda mais a acrescentar a essas questões.


A oradora funciona na história como uma força impulsionadora da vida. Ela não se conforma em viver num mundo onde as hordas de demônios do Drácula massacram pessoas durante a noite e transformam as cidades e vilas numa réplica sangrenta do inferno. Ela é movida por um desejo ao mesmo tempo desesperado e sóbrio de ver a vida fluindo normalmente.


Esse é mais um elemento comum do qual a série dispõe. Não é raro em histórias de fantasia que personagens femininas sejam uma representação da Deusa, provedora da vida e fonte de bênçãos. O que não é tão comum é que elas sejam, ao mesmo tempo, heroínas, representações do ego humano, com sua própria e singular jornada. E Sypha se encaixa justamente nesse caso.


Sua jornada, naturalmente, contempla descobertas, sobre si mesma, sobre os outros, seus desejos, afetos, e sobre seu lugar no mundo. Sypha é, quem sabe, uma das aventureiras menos relutantes. Apesar de não ser imune a erros e defeitos, ela trilha seu caminho não porque deseja a aventura, mas porque acredita na necessidade dela. Isso é uma contraposição ao clássico ego heroico que, mesmo tendo evidências exaustivas de que precisa abandonar sua zona de conforto, reluta em transpor o limiar entre o mundo comum e o desconhecido até ser fatalmente compelido a seguir em frente.


Não seja entendido que esses arquétipos aos quais já estamos acostumados sejam, de alguma forma, algo que deveríamos evitar apenas pelo fato de serem tradicionais. Pelo contrário, a série não os evita. Ao invés disso, nos oferece uma diversidade de modelos, e não apenas um a ser tomado como única referência. Ter a bruxa oradora entre os personagens centrais é uma feliz adição para o público jovem.



Fechando o trio dos protagonistas, temos Alucard. Filho do vilão, híbrido de um vampiro e uma humana, detentor de uma voz taciturna e sedutora, entre muitas outras coisas que todos os fãs dos jogos esperavam que ele fosse. Mas, se me for permitido um (quase) spoiler, a melhor de todas elas é que ele é, literalmente, um “adolescente revoltado” – nas palavras do próprio roteiro.


Como explicado ao longo das temporadas, sua condição de híbrido fez com que seu corpo se desenvolvesse rapidamente até a forma de um homem adulto. Mas seu tempo de vida ainda é curto comparado ao dos seus dois companheiros. Essa escolha foi, sem sombra de dúvidas, a que melhor representa o Alucard tal como sua legião de fãs o pintam.


Se pensarmos bem, o manto de sabedoria e maturidade que é colocado no personagem se mantém apenas porque, nos jogos, ele já tem séculos de idade. Daí supomos que seu comportamento advém de uma maturidade lapidada ao longo de muitos e muitos anos. Mas, se pensarmos no personagem como um adolescente rebelando-se contra os ditos e desditos de seu pai, enquanto lida com a perda trágica da mãe, ainda temos o mesmo personagem.


Assim como os outros heróis, Alucard trilha uma jornada de formação pessoal. A morte de sua mãe também o atingiu fortemente, mas sua reação é radicalmente diferente daquela do seu pai. O roteiro nos ajuda bastante a entender que se trata de um conflito de valores entre pai e filho, pois isso fica evidente apenas pelo fato de que o jovem vampiro não concorda com escravidão e genocídio.


Dessa forma, a força impulsionadora que coloca Alucard dentro da história é a rebeldia – outro elemento comum no panteão de heróis. Como se trata de um caso extremo, é fácil perceber que o herói está no lado certo da relação, afinal, o outro lado representa o extermínio completo de inúmeras vidas inocentes. Porém, isso não diminui a carga dramática do que ele precisa fazer para atingir seus objetivos. Como fica bem claro, para impedir o extermínio de toda a raça humana ele precisa destruir o próprio pai. Uma tarefa difícil e dolorosa, pois, mesmo tendo o vilão sucumbido ao ódio e à insanidade, ainda se trata de cometer parricídio.


No personagem de Alucard, reúne-se tudo o que se espera dele e um pouco mais. Todo o fan service necessário para agradar os fãs nos é entregue na medida certa; sua rebeldia não é tratada como insensatez ou qualquer visão condescendente que tenhamos a respeito da adolescência, ele simplesmente é alguém que possui seus valores e não está disposto a abrir mão deles apenas para se encaixar numa relação de autoridade entre genitor e filho. E como todo herói, ele também precisa fazer descobertas sobre si mesmo e o mundo enquanto trilha seu próprio caminho.

Assim como seus outros dois companheiros, ele também é mostrado como se fosse uma pessoa numa de suas fases mais importantes de formação das próprias convicções. Talvez por isso – entre várias outras coisas - essa relação entre a série e a adolescência tenha persistido na minha percepção.



Apesar do texto longo, tentei fazer das minhas palavras as mais breves possíveis, mantendo, o máximo que pude, as referências apenas à primeira temporada. Assim evitando dar algum spoiler e prejudicar a experiência de quem ainda não viu a série. Mas ainda existem muitas coisas a serem ditas sobre a obra. Os personagens que conhecemos são maravilhosos - Hector e Isac com sua repulsa pela humanidade; Carmilla, uma vampira cansada de viver num mundo comandado por homens ensandecidos pelo próprio poder; entre vários outros.


A série nos entrega uma animação espetacular, ótimos diálogos, que nos ajudam a imergir na história e acreditar na realidade dos personagens, fan services maravilhosos que transportam qualquer fã dos jogos para épocas saudosas, e uma diversidade de modelos arquetípicos que tanto nos coloca num lugar comum da narrativa de histórias, como nos apresenta a modelos apenas recentemente contemplados pela inclusão.


No geral, o que mais agradou na série inteira – e muita coisa agradou – foi a relação entre os três protagonistas. A amizade e afeto que se forma entre Sypha, Trevor e Alucard consegue tocar facilmente quem assiste. Ao ponto de, quando a série chega ao seu fim, nos sentirmos em meio a uma despedida real deles. Isso foi possível pela habilidade dos roteiristas quando elaboraram os diálogos, e pelas escolhas de roteiro.


Castlevania é uma série altamente recomendável pra quem gosta de histórias de ação e fantasia. Para os fãs dos jogos, muito do que se deseja ver na forma de um desenho é entregue com primazia. Contudo, não é recomendado criar expectativas exageradas ou incoerentes antes de vê-la. Não é uma animação que encoraja reflexões profundas, a edificação do espírito, nem nada do tipo. Deve-se assisti-la apenas com o intuito de aproveita-la, buscando se divertir o máximo que você puder.

 

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